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Silvio de Abreu: a moral do país em frangalhos

Na edição de 21 de junho de 2006, o autor da novela Belíssima, encerrada recentemente no canal de TV Rede Globo, concedeu uma entrevista à revista Veja. Nela, disse que ficou espantado com a aprovação por parte do público de personagens que faziam tudo para "se dar bem", subir na vida. Silvio de Abreu afirmou: "a moral do país está em frangalhos".


Ao leitor mais atento à situação do nosso país, pode parecer que o autor de Belíssima disse uma obviedade. Certo. Porém, cabe ressaltar que, vindo de um autor que pouco se esforçou para melhorar a ética no país, para dizer um eufemismo, é uma frase que vale a pena ser pensada.


Em primeiro lugar, penso que cabe uma objeção ao pensamento do Silvio de Abreu. Ele diz que as pessoas não se interessam mais por personagens bons, mas apenas pelos maus. Diz ele que na última pesquisa com o público, estes personagens foram considerados "enfadonhos". Embora eu não seja um especialista em novelas, basta cinco minutos com pouca atenção para perceber: os personagens de novela bons são uns chatos, quando muito"bonzinhos", o que talvez seja pior do que chato. Assim como nos livros, ninguém agüenta mais um personagem que chora a novela inteira, que não tem força para alcançar o que pensa ser correto. Logo, o público tem certa razão em preferir os maus, pois estes são mais bem retratados.

Mais bem retratados, mas ainda assim, muito mal retratados. No último
capítulo da novela Belíssima, Silvio de Abreu fez com que a personagem Bia Falcão terminasse "numa boa", no luxo de Paris. O problema não está no fim dado à personagem, pois sabemos que a justiça, muitas vezes, tarda e falha, mas na superficialidade. Pareceu ao público que Bia Falcão "se deu bem" porque ela, aparentemente, apesar de ser uma péssima pessoa e causar sofrimento aos outros, não sofria nenhum drama moral. Parecia uma psicopata.

Pode-se argumentar que as pessoas más não sofrem moralmente. Contudo, essa afirmação é errônea. Ninguém nasce mau: as pessoas se tornam más. Por isso, para citarmos um exemplo infelizmente próximo, um bandido, após matar muita gente, diz que fez isso porque a sociedade, o governo, etc, etc, não lhe dá nada. Ele precisa de uma justificativa, caso não fosse assim, se mataria devido ao peso de tanto sangue sobre as suas costas.

As novelas, se retratassem as pessoas tais como elas são, ajudaria e muito a melhorar a moral do país, que realmente está em frangalhos. O que prejudica e muito a compreensão da ética por parte do público é ver que o mal moral não existe, apenas ficar rico e não ficar rico é o importante.

A moral não é como a justiça: não falha. Se uma pessoa age mal, prejudica os outros, é egoísta, rouba, etc. ela certamente poderá ser tudo, menos feliz.

A seguir, trechos da entrevista:

O paulistano Silvio de Abreu, de 63 anos, é um noveleiro experiente. Ex-ator e ex-diretor de pornochanchadas, ele atua como autor de folhetins há trinta anos. Abreu, como gosta de ressaltar, já viu os dois lados da profissão: colheu sucessos como A Próxima Vítima, mas também fracassos como As Filhas da Mãe. Com a atual Belíssima, ele está de volta ao topo. A três semanas de seu desfecho, a novela das 8 da Rede Globo ostenta a média de 59 pontos no ibope e é sintonizada por sete em cada dez espectadores no país. Como todo autor de um folhetim bem-sucedido, Abreu conseguiu entrar em sintonia com as preocupações e os interesses de uma ampla fatia da sociedade brasileira. Ele se confessa chocado, porém, com a descoberta de que o público mudou seu modo de encarar os desvios de conduta dos personagens.

 

Veja – Belíssima realizou algo raro em telenovelas: chegou ao sucesso com personagens que são bastante ambíguos. O senhor mesmo já havia tentado isso outras vezes e fracassou. Por que deu certo desta vez?
Abreu – Considero que incluir a ambigüidade moral numa trama é um grande avanço. Personagens desse tipo são ricos e fazem o público pensar. Ao analisar as causas dessa aceitação, contudo, confesso que fiquei chocado. Como sempre acontece na Globo, realizamos uma pesquisa com espectadoras para ver como o público estava absorvendo a trama e constatamos que uma parcela considerável delas já não valoriza tanto a retidão de caráter. Para elas, fazer o que for necessário para se realizar na vida é o certo. Esse encontro com o público me fez pensar que a moral do país está em frangalhos.

Veja –Será que está?
Abreu – As pessoas se mostraram muito mais interessadas nos personagens negativos que nos moralmente corretos. Isso para mim foi uma completa surpresa. Na minha novela anterior, As Filhas da Mãe, há coisa de cinco anos, o comportamento dos grupos de pesquisa era diferente. Os personagens bons eram os mais queridos. Nessa última pesquisa, eles foram considerados enfadonhos por boa parte das espectadoras. Elas se incomodavam com o fato de a protagonista Júlia ficar sofrendo em vez de se virar e resolver sua vida de forma pragmática. Outro exemplo são as opiniões sobre Alberto, o personagem que não mediu esforços para tirar de seu caminho o Cemil, um bom moço, e roubar sua pretendente, Mônica. Alberto fez uma falcatrua para desmanchar o romance do rival. Em qualquer outra novela, isso faria o público automaticamente ficar do lado do mocinho. Mas as donas-de-casa não viram nada de errado na conduta do Alberto. Pelo contrário: ponderaram que, se ele fez aquilo para conquistar um mulherão, tudo bem. O fato de o André ter dado um golpe do baú na Júlia também foi visto com naturalidade. As espectadoras achavam que, se ele precisava de dinheiro, não havia mal em ficar com ela. Colocamos então que o canalha a estava roubando e as espectadoras retrucaram: deixa disso, daqui a pouco eles vão ficar bem. O fato de André ser bonito era suficiente para ganhar o prêmio máximo numa novela, que é ficar com a mocinha. Na mesma pesquisa, colhemos indícios claros de que essa maior tolerância com os desvios de conduta tem tudo a ver com os escândalos recentes da política.

Veja –O que o fez chegar a essa conclusão?
Abreu – Numa parte da pesquisa, as espectadoras apontaram com qual personagem se identificavam, e a maioria simpatizava com a Júlia, é claro. Mas havia colocações do tipo: "Quero ser a Júlia porque aí eu pago mensalão para todo mundo e ninguém me passa a perna". Olhe que absurdo: a esperteza desonesta foi vista como um valor. O simples fato de o presidente Lula dizer que não sabia de nada e não viu as mazelas trazidas à tona pelas CPIs e pela imprensa basta – as pessoas fingem que acreditam porque acham mais conveniente que fique tudo como está. Eu me vi na obrigação de fazer alusões a essa inversão de valores em Belíssima. Quando a Bia Falcão reapareceu e disse com a maior cara-de-pau que sumiu porque estava de férias numa fazenda, ficou óbvio para todo mundo que ela estava mentindo. Mas, como Bia se impõe pela autoridade, os personagens engoliram a desfaçatez.  

Veja –A audiência das novelas está mais exigente?
Abreu – Não. Sinto dizer que, se as novelas ficaram mais elaboradas, foi pela evolução natural dos autores. Hoje, o problema em relação ao público é o contrário. O nível intelectual do brasileiro de maneira geral está abaixo do que era na década de 60 ou 70, porque as escolas são piores e o estudo já não é valorizado como antigamente. Houve um dia, não custa lembrar, em que cursar a universidade era um objetivo de vida. O valor não é mais fazer alguma coisa que seja dignificante. As pessoas querem é subir na vida, ganhar dinheiro, e dane-se o resto.



 


 

Eduardo Gama, professor de redação e literatura em Jundiaí e Campinas. Mestres em Literatura pela USP, tradutor, jornalista e publicitário. É autor do livro de poemas "Sonata para verso e voz" e editor dos sites www.doutrinacatolica.com.br e www.revisaoetraducao.com.br

e-mail: redator@portaldafamilia.org


 

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