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TERAPIA OCUPACIONAL NA TERCEIRA IDADE

Clara Janés / Luz María de la Fuente


Quantas vezes não teremos todos ouvido esta frase: "Quando isso acontecer, poderei morrer"!

Há expressão que mostre mais claramente até que ponto somos impelidos por um objetivo vital concreto? Por que, então, essa rejeição tão taxativa da terapia ocupacional por parte dos velhos?

Permito-me recordar umas palavras de um psicólogo:

"Até agora, tem-se tratado do tema partindo de duas idéias errôneas: primeiro, que o velho se sente feliz desligado da sua atividade profissional; segun do, que tem a. inteligência prejudicada. Nem uma coisa nem outra é verdade. Por um lado, com a velhice, aumentam as aptidões para aquilo em que se trabalhou durante toda a vida; por outro, pode abrir-se um campo novo de atividade. Um exemplo: com muita freqüência, os funcionários públicos que se aposentam por limite de idade caem no vazio e morrem; já na polícia alemã se verifica um dos maiores índices de longevidade. Por que será? Muito simples: só entram na corporação aos vinte e um anos - o que quer dizer que tiveram a possibilidade de aprender outra profissão - e são aposentados aos sessenta: isto é, ainda podem dedicar-se a uma nova atividade ou cultivar determinado gosto ou inclinação".

Cultivar determinado gosto ou inclinação, este é o ponto em que se costuma falhar. O homem, geralmente obcecado pelo seu trabalho, não só não cultiva as suas inclinações como as rejeita inconscientemente, não aconteça que o distraiam da sua "luta pela vida". Quanto à mulher, também tem as suas razões: "Já me bastam as tarefas da casa"; "o meu trabalho é um trabalho sem fim".

Assim como deveríamos procurar conhecer sempre os limites da nossa própria vida com relação à vida que nos rodeia, embora estejamos imersos nela, deveríamos também aspirar a que o trabalho ocupasse na nossa existência o seu lugar preciso e deixasse pelo menos uma janela aberta através da qual as nossas inclinações pessoais pudessem respirar. Porque, ao chegar a velhice, "o homem - diz o prof. López Ibor - recupera a liberdade perdida e pode dedicar-se ao que sempre lhe interessou e que, pelas necessidades da vida, não pôde realizar".

Lembro-me agora da minha avó materna que, aos setenta anos, começou a escrever poesia e se dedicou a aprender piano, aliás, diga-se de passagem, com pouco sucesso. Ou, para sermos mais universais, de Sócrates, que, depois de ter sido condenado a tomar cicuta, se pôs a aprender a tocar harpa. Aos discípulos que lhe perguntavam por que se empenhava nisso, sabendo que lhe restava tão pouco tempo de vida, respondeu-lhes com um sorriso de impressionante naturalidade: "Para sabê-lo quando morrer".

A história antiga e de épocas posteriores retém nomes de pessoas cuja produção artística, intelectual, etc., foi notável nas últimas idades da vida. Já Cícero mencionava no seu De senectute o caso de Sófocles, que compôs tragédias na mais alta velhice. Parecendo que descuidava por causa dessa ocupação a administração dos bens familiares, os filhos pediram a sua interdição. Diz-se que o velho narrou então aos juízes a tragédia que acabava de escrever, Édipo em Colona, perguntando-lhes se lhes parecia que estava fora do seu juízo. Foi absolvido.

Goethe terminou o seu monumental Fausto aos oitenta e dois anos, Lamarck concluiu a sua História natural também depois dos oitenta, Cervantes terminou o D. Quixote aos sessenta e oito.

Entre os pintores, Ticiano trabalhou quase ininterruptamente com grande criatividade até os noventa e nove anos: um dos seus quadros mais famosos, A batalha de Lepanto, foi pintado aos noventa e oito. E Michelangelo traçou o plano da grande cúpula de São Pedro aos setenta e oito.

Entre os compositores, Verdi compôs Otelo aos setenta e quatro anos e Falstaff aos oitenta; Haendel escreveu aos setenta e dois anos o seu Triunfo do tempo e Rossini a sua Missa quando beirava os noventa.

Se não há dúvida de que, ao chegar a certa idade, o ser humano tende a perder a memória mais recente e a "viver de recordações", isso acontece quando desiste de levar a cabo uma atividade, quando deixa de interessar-se pelas coisas, quando não faz o esforço de situar-se no dia de hoje e encará-lo de olhos postos no futuro. Quantas vezes não ouvi afirmações como esta, de lábios de pessoas de quase oitenta anos:

- Eu não vivo no passado. Tenho lembranças, como sempre as tive, mas vivo o dia de hoje. E a morte não me assusta: será uma passagem.

Isso mesmo queria dizer a minha tia - a única irmã viva de meu pai, que mora num lar de senhoras idosas nos arredores de Barcelona -, quando me confiou:

- Só peço a Deus que me conserve isto pelo tempo que me reste de vida. Aqui sinto-me feliz, vou à Missa, dou longos passeios, organizo números cômicos que representamos para grupos de crianças, e respiro o ar puro e o aroma dos pinheiros e das plantas. Que paz!

Um espírito simples, que precisamente na sua velhice vive a fase mais criativa da sua vida. Talvez tivesse nascido para isso, para dar alegria e fazer rir os outros, mas só agora viera a descobrir essa vocação que as circunstâncias lhe tinham ocultado.

Não lhe perguntemos pela sua infância e juventude, enquanto a acompanhamos num passeio pelos "seus" laranjais e fileiras de beringelas; será sempre parca em palavras. Mas peçamos-lhe que nos mostre as suas fotografias mais recentes: disfarçada de galã, com bigode, chapéu-coco e bengala; vestida de noiva, envolvida num lençol que se arrasta pelo chão a modo de cauda; ou encarnando uma menina travessa, de bochechas coloridas, um grande laço de papel na cabeça e uma corda de pular na mão...

- No fim, as freirinhas choravam de tanto rir - comentará.

E leremos alegria em cada uma das suas tensas rugas, no seu rosto redondo e no seu olhar.

"Nos olhos dos jovens, há claridade; nos dos velhos, luz", escreveu Jouvert.


Fonte: "Aprender a Envelhecer", Clara Janés - Luz María de la Fuente, Editora Quadrante, São Paulo, 1994, pp.17-21.

 

 

 

 

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