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André Gonçalves Fernandes
Coluna "Lanterna na Proa"

Amores Descartáveis

André Gonçalves Fernandes

No ano passado, durante um curso de sociologia de família, muitas de minhas alunas – daquelas que permaneceram em perfeito juízo, depois da confusa realidade que inevitavelmente transmiti sobre atual situação dos vínculos a dois – pareceram um tanto céticas quanto ao futuro dos próprios relacionamentos amorosos. Dizia que, se alguma delas resolvesse desistir do amor, antes, eu entregaria um exemplar de “Orgulho e Preconceito ” , acompanhado de uma ou duas caixas de lenço de papel. Duvido que iriam adiante.

O problema comum vivido por elas era bem evidente: a definição de um novo tipo de relacionamento amoroso para este século, baseado numa só espécie de compromisso, o compromisso consigo mesmo. Isso é notável nos processos de separação e divórcio. Não falo de adultério ou violência doméstica. Num dado dia, o sujeito simplesmente acorda, ensaia um discurso exculpatório, olha para o outro e diz que acabou. E por quê?

Porque, nessa colcha de retalhos dos relacionamentos amorosos atuais, qualquer vínculo soa como insuficiente. O outro – minha vizinha, o amigo dela ou minha assistente – sempre pode ser mais interessante, bonito, inteligente, perspicaz, romântico, carinhoso, sincero e tantos quantos outros adjetivos que nos pareçam mais atraentes nas pessoas.

O sujeito passa a sempre buscar uma vida fantástica nas gôndolas sociais. O próximo relacionamento pode estar à sua espera na próxima festa, naquele jantar entre amigos ou no singelo deslizar de dedo de um aplicativo de rede social. De devaneio em devaneio, a cada relacionamento fugaz, nosso Lorde Byron pós-moderno, no fundo, revela o mesmo propósito e a mesma confusão: encarar o outro como uma forma de preencher o vazio existencial.

Num desses processos de família, um jovem sujeito havia investido muito dinheiro num negócio conjugal, um sonho de vida a dois. Mal dormia, teve depressão, foi contemplado com um monte de reclamações trabalhistas, passava boa parte do tempo em conversas com a clientela, o contador, o despachante aduaneiro e, também, o advogado: não é tipo de cotidiano que eu desejaria para mim. Mas se submetia a tudo isso em prol de um projeto existencial.

Até que se encantou perdidamente pela secretária e resolveu ouvir o eco do Lorde Byron que habita em cada um de nós. Ou seja, investiu todas suas energias no relacionamento com a empresa e não deixou nada para a sócia no empreendimento, sua companheira de apenas dois anos. Disse-me, na audiência, que precisava de outras emoções e, por isso, a pessoa que se sentava na frente dele não servia mais para isso. Imediatamente, veio o filme à cabeça: dali a uns anos, seria a vez da secretária.

A capacidade de se relacionar encontra sua plena expressão num amor donativo: é o amor que sabe dizer “eu sou seu”. É a reviravolta total do eu , que se faz dom ao outro , porque já sabe viver em função do outro. Cria uma relação madura, serena e forte que sabe trabalhar a si mesmo para integrar-se plenamente ao outro. Assim, pode-se fundar um vínculo estável e duradouro, na medida em que cada um se empenhe por construí-lo generosamente na própria vida.

Pessoas não são objetos. O amor não existe para satisfazer nossos devaneios byronianos. Um amor, edificado diariamente, existe para lembrar que alguém é mais importante do que nós e que, se a lâmpada de casa queimou, é preciso trocar a lâmpada e não a casa.

Curiosamente, e nos últimos anos, só houve uma série televisiva com coragem para enfrentar essa verdade. Chamava-se "The Mind of the Married Man". Durou uma temporada, já que a atenção das massas preferia as “Spice Girls” nova-iorquinas do “Sex and the City”. Sinal dos tempos: tempos de amores descartáveis. C om respeito à divergência, é o que penso.

casal, cena do filme Orgulho e Preconceito

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ANDRE GONÇALVES FERNANDES, Post-Ph.D. Juiz de Direito e Professor-Pesquisador. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito, titular de entrância final em matéria cível e familiar, com ingresso na carreira aos 23 anos de idade. Pesquisador do grupo PAIDEIA-UNICAMP (linha: ética, política e educação). Professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU Escola de Direito. Coordenador Acadêmico do Instituto de Formação e Educação (IFE). Juiz instrutor/formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Colunista do Correio Popular de Campinas. Consultor da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB. Coordenador Estadual (São Paulo - Interior) da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Membro do Comitê Científico do CCFT Working Group, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas e da Academia Iberoamericana de Derecho de la Familia y de las Personas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas e de crônicas literárias. Conferencista e autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas. Membro Honorário da Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Titular da cadeira nº30 da Academia Campinense de Letras.

E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br

Publicado no Portal da Família em 08/03/2016

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