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Dr. André Gonçalves Fernandes

Coluna "Lanterna na Proa"

EUTANÁSIA: O NOVO CARONTE

André Gonçalves Fernandes
Na vida, todos os seres humanos enfrentam o mistério do sofrimento e da morte. Sabemos que vamos morrer e temos um desejo ardente de felicidade duradoura e vida infinita. Vivêssemos como se fôssemos eternos... Por isso, aceitamos com grande dificuldade o fato de a existência ter um fim, sobretudo quando percebemos que este termo será acompanhado por angústia, dor e decadência.

Esse declínio pode parecer tão desumano que alguns consideram um dever por um fim ao desastre, cortando o fio da própria vida. Em uma idade avançada, uma pessoa pode perder sua independência física, às vezes, até mesmo usando seu intelecto. Os idosos sofrem cruelmente nessa situação. Não raro, vivem em uma completa solidão, longe da sociedade, ainda mais quando passam o resto de suas vidas em lares de idosos.

Trabalhei voluntariamente por anos, quando era universitário, em um deles, dirigido por freiras. O maior dilema daqueles idosos era o de morrer dignamente e a atenção dispensada por nós era justamente a de cuidar de suas doenças e de curá-los e, quando a medicina não mais resolvesse, a de lhes assegurar uma morte com a dignidade de um ser humano e toda sua transcendência.

Nesse assunto, a Igreja é perita multissecular: ela construiu hospitais, exortou as congregações religiosas e instituições de caridade para cuidar do doente e humanizar seu sofrimento, estimulou muitas iniciativas leigas destinadas a resolver de forma competente e com espírito de caridade para com os doentes. E quando o pedido de eutanásia for feito pela pessoa doente? Ela não tem o direito de dispor de si mesmo? Qual o alcance deste pleito?

Médicos, paramédicos e psicólogos sempre nos advertem contra a tentação de dar extremo valor à palavra dos doentes. A maioria deles conhece, de fato, no curso de sua doença, uma fase depressiva. Nessa fase, chegam até a clamar pela morte com desejo. Muitas vezes, este macabro convite deve ser interpretado como um protesto contra a dor, angústia, solidão, ou, ainda, como um protesto contra a qualidade de vida no hospital ou contra o sentimento de rejeição pela família e pelos amigos. O pedido para morrer também reflete o temor de que os médicos queiram mantê-lo vivo a todo custo.

Não se olvide que o pedido de eutanásia pode ser incentivado pelo ambiente. A Psicologia nos ensina que uma pessoa pode projetar seu próprio desejo em relação à outra, neste caso, a fim de encerrar uma situação dura de assumir para o paciente e para aqueles em torno dele. Muitas vezes, o paciente não volta a repetir sua petição de morte quando lhe foi proporcionada a indispensável assistência médica, social e espiritual.

O direito de dispor de si mesmo tem limites? E se alguém, deliberadamente, quer morrer? Será que devemos respeitar sua vontade nesse caso? Penso que não. O presumido direito de dispor de si está baseado em uma idéia abstrata de homem, a imagem de um ser isolado, que, nessa condição, pode tomar todo o tipo de decisão.

Todavia, o homem está sempre em relação com outros homens. O enfermo continua sendo um pai, uma mãe, um filho ou uma filha, um amigo ou um vizinho. Em suma, o doente é sempre alguém para os demais. E, precisamente estas relações invioláveis lhe conferem um valor fundamental. A autonomia da pessoa humana não é ilimitada, suas fronteiras são formadas por esses vínculos recíprocos.

O ser humano recebe a sua vida como um dom. Fomos convidados a respeitá-la e a desenvolvê-la plenamente como uma dádiva preciosa de seu primeiro despertar, no seio materno, até o último suspiro. Esse é o fundamento da dignidade humana. A nossa consciência está afetada pela solicitude com a qual circundamos a pessoa gravemente doente.

Caronte (em grego, o brilho) era o barqueiro mitológico do mundo inferior grego (o Hades) que transportava os recém-mortos em sua barca, pelo Aqueronte, rio que separava o mundo dos vivos da região infernal, até o local que lhes era ali destinado. Eis a tentação da eutanásia: ao conferir poder sobre a vida e a morte das pessoas, acaba por transformar o homem no novo Caronte do homem.

Caronte, na mitologia grega

O Barqueiro Caronte



Essa senhora é mãe de alguém

Para muitos, esta mulher é a mãe de alguém querido ou a avó. Mas pode estar passando por uma fase depressiva.

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ANDRE GONÇALVES FERNANDES, Post-Ph.D. Juiz de Direito e Professor-Pesquisador. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito, titular de entrância final em matéria cível e familiar, com ingresso na carreira aos 23 anos de idade. Pesquisador do grupo PAIDEIA-UNICAMP (linha: ética, política e educação). Professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU Escola de Direito. Coordenador Acadêmico do Instituto de Formação e Educação (IFE). Juiz instrutor/formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Colunista do Correio Popular de Campinas. Consultor da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB. Coordenador Estadual (São Paulo - Interior) da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Membro do Comitê Científico do CCFT Working Group, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas e da Academia Iberoamericana de Derecho de la Familia y de las Personas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas e de crônicas literárias. Conferencista e autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas. Membro Honorário da Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Titular da cadeira nº30 da Academia Campinense de Letras.

E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br

Publicado no Portal da Família em 26/07/2010

 

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