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O remédio da esperança

A descoberta pela medicina moderna do poder da emoção no combate às doenças

Qual o papel da esperança na experiência de pessoas com doenças crônicas ou terminais? Em que medida ela permite a pacientes, familiares, amigos e médicos enfrentar melhor os casos graves?

A revista VEJA (www.veja.com.br), edição 1873, de 29 de setembro de 2004, publicou uma entrevista da jornalista Anna Paula Buchalla com o Dr. Jerome Groopman, autor do livro "A Anatomia da Esperança".

Em tempos onde o tema da Eutanásia está de volta aos noticiários, é intessante conhecer as idéias desse médico americano.

Há trinta anos o médico americano Jerome Groopman trata de pacientes vítimas de câncer. Ao acompanhar de perto a angústia dos doentes e de seus familiares, Groopman tirou uma lição: mesmo nas situações mais graves, é preciso manter a esperança. A convicção do médico não tem nada de esotérico. Ao contrário, baseia-se também em pesquisas que mostram como acreditar na cura, mesmo quando as chances são ínfimas, pode ser de grande valia num tratamento. Groopman, de 52 anos, acaba de ter lançado no Brasil seu terceiro livro, A Anatomia da Esperança (Editora Objetiva, 270 páginas), em que defende seu ponto de vista por meio de relatos de casos. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Harvard, chefe de medicina experimental do Beth Israel Deaconess Medical Center, em Boston, e colaborador da revista The New Yorker, ele é autor de outros dois livros: The Measure of Our Days (A Medida de Nossos Dias) e Second Opinions (Segundas Opiniões), que inspiraram um seriado de televisão. Groopman deu a seguinte entrevista a VEJA.

Veja – A esperança é capaz de salvar a vida de um paciente?
Groopman – A esperança não cura, mas pode dar ânimo ao paciente para que ele continue a lutar pela sua melhora. Ela inspira coragem para superar o medo durante um processo difícil de tratamento. Há dados que mostram que os pacientes esperançosos recuperam mais rapidamente a saúde e têm uma taxa de sobrevida maior. Ela também tem a função de colocá-lo como árbitro final de seu destino. É da esperança que ele tira a energia para continuar tentando, mesmo quando sabe que são poucas as possibilidades de sobrevivência.

Veja – Essa não é uma forma de pensamento positivo?
Groopman – Não. É importante deixar claro que esperança não tem nada a ver com otimismo. A esperança é um sentimento mais complexo e muito mais profundo. O otimista acha que tudo vai dar certo, que tudo vai acabar bem. Mas sabemos que na vida não é assim. Nem sempre as coisas terminam como gostaríamos, por mais duro que seja aceitar isso. Aliás, tudo pode dar muito errado. Nutrir esperança é reconhecer, sempre baseado na realidade dos fatos, que, apesar de todas as dificuldades, é possível encontrar um caminho.

Veja – Isso é algo que um cético pode ter?
Groopman – Um cético pode ter esperança. Ele dirá, provavelmente, que não acredita que um tratamento possa dar resultado só porque ele é mais ou menos esperançoso. O papel do bom médico nesse caso é dizer que, de fato, ele está certo. Não se pode alimentar alguém com promessas, mas com dados objetivos que atestem que existe uma chance e que ela é real. O cético pode ver claramente todas as possibilidades de um tratamento não dar certo. Mas é dever do médico convencê-lo de que existem também oportunidades de sucesso. E isso é o que chamo de esperança. Mas, infelizmente, nem sempre um paciente se convence. Há três décadas, a psiquiatra suíço-americana Elisabeth Kübler-Ross investigou os sentimentos de pacientes que recebem a notícia de que têm uma doença grave. Primeiro, vem a negação. Depois, a raiva e a negociação (como uma promessa religiosa, por exemplo). Em seguida, a depressão e, por fim, a aceitação. Na minha experiência, nem sempre é assim. Às vezes, a negação persiste até o fim. Em outras, a raiva é irremovível.

Veja – O efeito placebo, quando um paciente melhora apenas com um remédio inócuo, é uma prova do poder da esperança no tratamento de uma doença?
Groopman – O placebo é provavelmente a melhor prova biológica que temos até agora do poder da esperança. Há experiências impressionantes com pílulas de farinha em pacientes com a doença de Parkinson. Os pacientes que acreditavam estar tomando um remédio de verdade tiveram um grande aumento na produção de substâncias químicas cerebrais benéficas, como a dopamina, e uma melhora de suas funções musculares. Mas há uma diferença crucial entre esperança e placebo. O placebo, com o passar do tempo, tende a ter seu efeito reduzido. Já a esperança pode sempre ser recarregada.

Veja – Quando vale a pena insistir num tratamento, contrariando o que mostram a experiência e as estatísticas da doença?
Groopman – Não se pode desprezar uma chance, por menor que seja. Vale a pena tentar sempre, porque seu paciente pode estar naquele grupo dos poucos que se beneficiam de um determinado tratamento. Impossível saber antes. Em outras palavras, se para 2% ou 3% o tratamento funciona em casos ditos como perdidos, seu paciente pode ser um deles, por que não? Gosto de citar o exemplo de George Griffin, um patologista da Universidade Harvard que foi vítima de um grave câncer de estômago. A ironia é que o câncer de estômago tinha sido o objeto de estudo de toda a sua vida. Ele fez questão de receber um tratamento agressivo, com altas doses de quimioterapia, algo que eu jamais tentaria em um paciente com prognóstico como o dele. Treze anos depois de ter se submetido a essa terapia de choque, Griffin continua vivo. Pode-se dizer que superou a doença, algo inimaginável para muitos. A maioria dos tumores de um mesmo tipo se comporta basicamente do mesmo modo. Mas sempre haverá um George Griffin que consegue escapar. No século XIX, Oliver Wendell Holmes, ensaísta e médico americano, professor de anatomia e fisiologia da Universidade Harvard, escreveu: "Cuidado para não retirar a esperança de outro ser humano". Um médico jamais deve se colocar na posição de juiz, dando ao paciente uma sentença de dias, semanas ou meses de vida. Não se pode considerar uma pessoa perdida a priori. A onisciência a respeito da vida e da morte não faz parte do domínio do médico.

Veja – Mas alguns médicos ainda se comportam dessa forma, como se tivessem controle sobre tudo.
Groopman – É verdade. Há uma boa piada que dá conta dessa pretensão. Vários santos esperavam pacientemente para entrar no céu, quando alguém de jaleco e estetoscópio fura a fila. Um dos santos se aproxima de São Pedro cobrando uma explicação e ouve a resposta: "Ora, aquele é Deus. Ele acha que é médico".

Veja – Os médicos hoje tendem a ouvir mais seus pacientes antes de tratá-los?
Groopman – Até a década de 80, era comum que os médicos decretassem logo de cara quanto tempo de vida tinha uma pessoa que sofria de uma doença grave. E ponto final. Isso não era bom, evidentemente, inclusive porque minava a esperança do paciente. Nessa mesma época, como conseqüência da frieza e da falta de comunicação com o médico, os pacientes e seus familiares começaram a deixar claro que queriam ser tratados com honestidade, e não com rudeza. Isso incluía serem informados em detalhes sobre a doença e as chances de o tratamento dar certo – o que antes era informação privativa dos médicos. Foi também nesse período que os médicos passaram a enfrentar a concorrência das terapias alternativas, que tendem a prover os pacientes de uma longa e detalhada conversa sobre seu estado emocional. Agora, graças à confluência desses fatores, estamos começando a viver uma fase mais equilibrada, em que o paciente é encorajado a lutar juntamente com o médico. Como numa parceria.

Veja – Na hipótese mais provável de um paciente grave não ter a sorte de estar no pequeno grupo que se beneficia do tratamento, insistir até o fim não é apenas uma forma de prolongar o seu sofrimento?
Groopman – Depende do caso. Em algumas situações, em que o tratamento é doloroso e fica muito claro que a doença não está respondendo ao tratamento – ou porque a terapia falhou ou porque é muito tóxica –, o melhor é recuar. Do contrário, pode-se estar tirando dias, semanas ou até mesmo meses em que esse paciente poderia estar em casa, ao lado dos amigos e da família.

Veja – Como médico, o que o senhor faz quando constata que um paciente não tem a menor chance de sobreviver?
Groopman – Passou pelas minhas mãos uma mulher maravilhosa, lutadora, mas com um câncer em fase terminal. Eu não tinha nada a oferecer e, ainda assim, ela me disse que eu estava errado. Que eu tinha a oferecer o remédio da amizade. O que ela queria dizer é que, naquele momento, eu deveria ajudá-la a cuidar de seu espírito, já que o corpo não respondia mais.

Veja – Então nunca se deve dizer a um paciente que seu caso não tem mais esperança, mesmo que ele esteja em estado terminal?
Groopman – Em geral, há muita gente envolvida num caso terminal: outros médicos, a família, amigos, além do principal interessado, o doente. Eu diria que, se o paciente quiser saber qual o seu real estado, o médico deve ser honesto com ele e fornecer todas as informações clínicas. Por mais estranho que possa parecer, essa é uma forma de dar esperança ao paciente. Afinal, ele é quem sabe melhor o que quer fazer com o tempo que lhe resta.

Veja – Com o advento da internet e o aumento das notícias sobre saúde em jornais, revistas e televisão, as pessoas têm mais informações sobre doenças. Isso é bom ou ruim para cultivar a esperança?
Groopman – Acredito que o paciente tem amplo direito de saber tudo sobre a sua doença, mas pode ser muito difícil para ele interpretar números e estatísticas dos noticiários e entender seu caso individualmente. Há ainda uma quantidade enorme de informações na internet que não são tão acuradas. É papel do médico ajudar o paciente a encontrar esperança onde ela de fato exista. Mas mesmo o profissional mais cuidadoso pode errar. Certa vez, despejei sobre uma paciente uma série de estatísticas de sobrevivência relativas a sua doença. O resultado foi que, diante dos números apresentados, ela não conseguia deixar de pensar que iria morrer a qualquer momento. As situações mais rotineiras eram enegrecidas pelo espectro da morte. Eu me culpei muito por isso e cheguei à conclusão de que é necessário um equilíbrio. Em resumo, não é preciso arrasar uma pessoa com a frieza das estatísticas, nem pecar por omissão.

Veja – O medo seria o principal inimigo da esperança?
Groopman – Eu já estive na posição de paciente e sei que, quando se está com medo, é muito difícil ver as coisas com clareza. Acho que cada paciente deveria ter a seu lado familiares ou amigos que ouvissem cuidadosamente o que diz o médico e o ajudassem a tomar decisões. Isso porque muitos doentes ficam clinicamente deprimidos e acabam desistindo de um tratamento, por mais promissor que ele seja. Cito no meu livro o caso de um ex-combatente de guerra que teve um linfoma. Por ter visto um colega morrer do mesmo mal, e por tê-lo acompanhado em seu sofrimento, ele a certa altura desistiu de lutar. Sem falsas esperanças, mas com o que podia prometer a ele, eu o convenci a se tratar. E ele está vivo até hoje.

Veja – O senhor acredita que a fé religiosa possa ter influência em alguns processos de cura?
Groopman – Acho que rezar e acreditar em algo é imprescindível na medida em que leva uma pessoa a focar a sua mente. Já está provado que aquietar a mente traz benefícios diretos ao organismo, como a redução da pressão arterial e dos batimentos cardíacos. Posso assegurar, no entanto, que procurei incessantemente um dado científico que mostrasse que um paciente com câncer que reze se sai melhor do que um que não reze. E não encontrei nenhuma evidência disso. Mas, é claro, a oração e a fé são uma forma de ajuda, uma excelente ferramenta para que o doente se sinta esperançoso. Há uma frase ótima na tradição judaica: "Reze por um milagre, mas não espere por um".

Veja – O senhor foi vítima de uma grave lesão num disco lombar e, de repente, se viu na condição de paciente. De que forma essa experiência mudou sua visão da prática médica?
Groopman – Uma vez escrevi que aprendi mais nos poucos meses em que fui paciente do que em todos os anos que passei na faculdade de medicina. A experiência me ensinou muitas coisas. A primeira delas é que, quando se é paciente, se fica extremamente vulnerável. Ouvi de um médico que eu ficaria bom e preferi acreditar nele, obviamente. O problema é que ele não estava sendo honesto comigo, porque não tinha a solução para a minha dor. Aprendi que é preciso questionar e ter uma segunda opinião. Sempre. Eu não sou perfeito, cometo erros. Posso errar em meus julgamentos e incentivo meus pacientes a procurar outro especialista em casos graves. Talvez outro médico tenha uma visão diferente e melhor do mesmo caso.

Veja – Quem tem esperança vive melhor?
Groopman – Essa é a conclusão. Um paciente esperançoso e confiante pode viver mais ou não. Mas pelo menos vive melhor consigo próprio. E essa é uma ótima razão para ter esperança.

 

"A esperança não cura, mas pode dar ânimo ao paciente para que ele continue a lutar pela sua melhora. Ela inspira coragem para superar o medo"

 

 

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