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A Responsabilidade do Médico Diante da Eutanásia

Dr. Luíz Flávio Borges D'Urso


Recentemente o País foi surpreendido com notícias internacionais, que davam conta de que um médico, diante de uma câmera de vídeo, dava morte a seu paciente. Um caso típico de eutanásia, semelhante a tantos outros observados no mundo.

Ocorre que neste episódio, algo inusitado ocorreu, pois o tal médico, atualmente conhecido por "Dr. Morte", além de filmar seu gesto, entregou essa fita para que fosse exibida nas televisões do mundo, o que propiciou uma audiência de 15,6 milh6es de televisores transmitindo esse gesto, só nos Estados Unidos, sem contar o resto do mundo.

Com isso, a televisão mais uma vez, põe em pauta este assunto tão discutido e tão resistido mundialmente, uma vez que a conduta desse médico dr. Jack Kevorkian, ganhou as manchetes retratando seu gesto de aplicar a injeção letal em Thomas Yourk, um homem de 52 anos, portador de uma doença degenerativa que paralisava todo os músculos de seu corpo.

Esse médico, de 70 anos, ganhou notoriedade quando em 1988, criou uma máquina que ajudava pessoas a suicidarem-se, objetivando a aplicação da eutanásia para aqueles que a desejassem, somando atualmente mais de 130 pacientes que fizeram uso dessa máquina por ele inventada.

Desnecessário registrar que o referido médico divide seu tempo com essa campanha em favor da eutanásia e com os processos criminais que a justiça lhe move, uma vez que praticou atos previstos na legislação criminal da maioria dos países civilizados, que entendem ser crime dar a morte, por qualquer motivo, a alguém.

No Brasil isso não é diferente, pois nossa legislação proíbe tal conduta, entende o legislador, tratar-se de homicídio, com penas que variam de 6 a 30 anos, com possibilidade de redução de 1/6 a 1/3 ; tal redução tem espaço, pois entende-se que estamos diante de um homicídio privilegiado, onde o privilégio aparece em razão de relevante valor moral, no caso presente, a piedade que aflora em razão do sofrimento alheio.

A palavra eutanásia tem origem no vocábulo grego, formado de "eu" que significa a boa e "thanatos" que significa morte, resultado de tal expressão: "boa morte" ou "morte piedosa, serena".

Hoje estamos acompanhando os trabalhos da Comissão de Reforma do Código Penal, a qual prepara um projeto de lei, a fim de modernizar nossa legislação criminal e como não poderia deixar de ser, o tema eutanásia foi amplamente debatido e novas orientações são verificadas conforme observamos a seguir.

O projeto estabelece que a eutanásia será prevista com essa denominação, o que já é uma novidade, pois pela lei vigente o enquadramento do tema era feito na vala comum do homicídio, dando-se-lhe tratamento mais benéfico, pela forma privilegiada.

Também pelo projeto, além da previsão especifica da eutanásia, verifica-se que a pena cominada para tal delito torna-se menor, o que vem demonstrar uma boa vontade do legislador com o tema, todavia, ainda proibindo tal conduta.

Embora a eutanásia continue a ser considerada crime pela Comissão de Reforma do Código Penal, há que se observar a distinção formulada pelo legislador, quando toca no tema sob o ângulo da ortotanásia, a qual pretende ver afastada do campo penal.

Na verdade, prioritariamente, estabelecemos a distinção entre eutanásia e a ortotanásia, vale dizer, entre a eutanásia ativa e a eutanásia passiva, ou ainda, entre a distanásia e ortotanásia.

Distanásia significa o prolongamento do momento da morte do paciente, através do uso de métodos reanimatórios, já a ortotanásia é a morte natural decorrente da interrupção de tratamento terapêutico, cuja permanência seria inútil em se tratando de quadro clinico irreversível.

Feitas as devidas distinções, observa-se que o legislador, em sintonia com as aspirações da moderna medicina e inclusive da Igreja, torna a ortotanásia permitida, o que tem parecido à Comissão, aos juristas e à sociedade, como uma forma de resgate da dignidade no momento final, ou seja, a verificação da morte digna.

Assim, fica sempre como pano de fundo dessa discussão, a conduta daquele que dá a morte, do agente, que pode ser qualquer pessoa, mas que comumente, poderá ser um médico, pelo conhecimento que detém ou pela facilidade que dispõe.

O médico que hoje, de qualquer forma, concorrer para dar a morte a alguém, cometerá homicídio, devendo o julgador perquirir para a verificação do móvel desse profissional e em razão dessa motivação, escolher se tal conduta, embora criminosa, fôra contemplada com forma mais benevolente de tratamento penal, reconhecendo-se o homicídio privilegiado ou, ao contrário, se revelado motivo que justifique tratamento mais severo, qualificando o homicídio, desencadeando uma pena ainda mais severa.

O agente da eutanásia poderá ter verificado seu crime pela forma comissiva (conduta passiva), ou pela forma omissiva (não conduta), agindo ou deixando de agir quando deveria, todavia resultando na mesma pena, se verificado o móvel do agente.

Na prática, poderá ainda estabelecer outro enquadramento ao gesto eutanásico, pois poder-se-ia estar diante de uma conduta que tenha auxiliado ou até instigado o suicídio, com penas que variam de 2 a 6 anos de reclusão, pena que pode ser duplicada se o gesto foi por motivo egoísta.

Enfim, o médico, ao praticar a eutanásia, poderia estar atendendo pedido de seu paciente para lhe dar a morte, ou dar-lhe a morte sem consultá-lo em virtude do paciente estar impossibilitado de manifestar vontade (ex.: estado de coma), tanto num exemplo quanto noutro, esse médico responderá por homicídio e o tratamento que lhe será destinado depende do móvel do agente, ou ainda, fornecer para que o próprio paciente encontre a morte pelo suicídio, estando prevista sua conduta como auxílio ao suicídio.

Por derradeiro, registre-se que atrelado ao tema em comento, outro torna-se obrigatório, que estuda a retirada de órgãos humanos para transplante, pois uma das resistências verificadas na aceitação da eutanásia reside exatamente numa velada desconfiança do indivíduo ser visto por um médico sem escrúpulos, como verdadeira "prateleira de órgãos humanos, prontos para o transplante", desconfiança que se intensifica quando dos escândalos que a mídia revela, pelo desvio de corpos inanimados ou pelo desrespeito à fila dos receptores de órgãos para transplantes.

Ainda aproveitando o tema, há que se encontrar um meio termo, uma conciliação entre juristas e médicos, para a definição do conceito de morte, tarefa dificílima, que tem apresentado suas dificuldades pois há descompasso, entre a morte verificada judicialmente e a morte estabelecida no campo médico, vejamos a seguir.

Enquanto o médico estabelece que o paciente está morrendo, não estando o destinatário de cuidados, nem morto, nem vivo, momento inclusive no qual lhe são retirados alguns órgãos, para o jurista, não existe esse processo de morte, mas sim a morte, como momento, apresentando todas as conseqüências de ordem judicial para esse fenômeno. Esse descompasso gera profunda desconfiança, quando, no caso concreto, ainda não se verificou a morte jurídica, todavia, verificada a morte pelo critério médico, autorizador da retirada de órgão.

A pergunta que se impõe é, se estar-se-ia retirando órgão de pessoas, que embora fossem declaradas clinicamente mortas, estas, para o jurista ainda encontravam-se vivas? Tal resposta é preocupante.

Por fim, presta-se esta reflexão escrita para estimular o pensamento, a pesquisa e a solução dessas questões que vão interferir na vida dos médicos, porquanto analisada sua conduta profissional à luz da lei no palco da esfera judicial. Para que não haja surpresas, que exista esclarecimento suficiente sobre o tema e suas diversas vertentes, tanto para juristas, como para o médico, em beneficio final do leigo.


Luíz Flávio Borges D'Urso é advogado criminalista, professor de Direito Penal, mestre e doutorando em Direito Penal pela USP, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRAC), presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal (ABDCRIM), Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional São Paulo (OAB-SP).

Fonte: D'URSO, Luíz Flávio Borges. Responsabilidade do Médico Diante da Eutanásia. Revista IMESC - Nº 1 - dezembro - 1998 - Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo. Disponível em: <http://www.imesc.sp.gov.br/rev1g.htm>. Acesso em: 14 jul. 2004.

 

 

 

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