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Aprender a envelhecer - Sempre Ativos

Clara Janés / Luz María de la Fuente


Azeitada e preparada a engrenagem física, a nossa atenção deve concentrar-se na atividade. Nem um só instante da nossa vida é desprezível, e por isso temos obrigação de permanecer ativos.

Que atividades se podem desenvolver depois dos sessenta e cinco anos? Muitas, muitíssimas mais do que se pode imaginar. E não obstante, como vimos, quando chega o momento de aposentar-se, cai-se com freqüência - sobretudo os homens - num vazio intransponível.

Ter um objetivo concreto que cumprir neste mundo não somente nos ocupa e nos satisfaz, como nos incita a continuar a viver. E até há ocasiões em que as próprias necessidades materiais que obrigam de repente uma pessoa de idade a pôr-se a trabalhar fazem com que ela se supere e, em vez de entrar num estado depressivo, consiga ampliar os seus horizontes de felicidade amoldando-se com inteligência às suas novas circunstâncias.

Há alguns anos, passei três semanas procurando uma governanta. Uma agência de empregos mandava-me uma moça diferente cada dia, mas nenhuma delas preenchia as condições que eu desejava naquela que, além de ajudar-me nas lides da casa, seria sobretudo um ser humano com quem teria de conviver diariamente. Estava disposta a esperar o tempo que fosse preciso, na certeza de que uma manhã bateria à porta de minha casa uma mulher de idade imprevisível, simples, segura de si, sem ressentimentos, capaz de trabalhar bem e, ao mesmo tempo, de compreender a minha maneira de ser, e de sentir que o seu trabalho era tão digno como qualquer outro. Numa palavra: um espírito autenticamente livre.

E assim foi. Uma manhã, bateu-me à porta Maria dos Anjos. Com certo temor, disse-me que tinha sessenta anos e que era a primeira vez que se oferecia para semelhante trabalho. Perguntei-lhe por quê. Contou-me que tinha enviuvado dez anos atrás e que o negócio do marido tinha ido de mal a pior, a ponto de lhe ter deixado dívidas pelo valor de vários milhões. Tinha de pagá-las fosse como fosse. Que podia ela fazer? Já os dois filhos se matavam procurando salvar a firma, de modo que ela se decidira a trabalhar, pondo de parte todos os preconceitos.

Maria dos Anjos ficou comigo. Vivi com ela os duros momentos em que tiveram de fechar a empresa, indenizar os operários, conseguir emprego para os filhos... E nunca vi essa mulher exemplar perder o espírito de combatividade.

Com o que lhe pago, contribui para saldar as dívidas e ajudar os filhos. Cumpre com esmero o seu papel de avó e sabe manter-se sempre no seu lugar. Se adoece, sou eu que tenho de obrigá-la a ficar de cama, porque senão viria trabalhar a todo o custo. Mais ainda: Maria dos Anjos trabalha de rosto alegre, e a solicitude com que nos ajuda demonstra que o faz como quem se sente em casa. O emprego que se viu obrigada a assumir reacendeu nela um dinamismo e avivou-lhe uma clareza mental que dariam inveja a muitas pessoas vinte ou trinta anos mais novas que ela.

Isto lembra-me outra mulher excepcional que trabalhou em minha casa. Tinha passado dos cinqüenta anos, era bonita e revelava uma inteligência natural muito aguda. Chamava-se Flora. Num abrir e fechar de olhos, deixava tudo brilhante, para depois, sempre de escova ou de pano de pó na mão, se aproximar da minha mesa de trabalho e trocar breves impressões comigo sobre política ou problemas sociais. Durante a guerra civil espanhola, tinha sido presa num momento em que se achava grávida, e, em conseqüência das brutalidades a que a tinham submetido, nascera-lhe uma filha com uma grave lesão no coração.

Abandonada pelo marido, trabalhava dia e noite para que não faltassem à filha todos os cuidados de que precisava. Quando esta fez dezoito anos, a mãe, consciente de que, nesse estado, não a poderia manter com vida por muito tempo, decidiu arriscar tudo e submetê-la a uma operação. Margarida - assim se chamava a filha - morreu no hospital, e não tinha passado nem um mês quando diagnosticaram à mãe um câncer que em pouco tempo a levou deste mundo. Ao recordar agora o seu choro desesperado, abraçada ao cadáver da filha, cresce em mim a convicção de que essa mulher não morreu de câncer: realizado o objetivo vital, o corpo procurou a desculpa do câncer para morrer.

É parecido o caso de uma cigana que vivia num barraco de latas, debaixo de urna ponte. Descendia diretamente de um "faraó" e não tinha consentido que o seu filho se casasse com uma mulher de casta inferior. Mas não pudera evitar que o rapaz e a moça passassem a viver juntos, e já iam pelos dezoito filhos, nem mais nem menos.

- Tenho oitenta anos e não quero morrer sem resolver este assunto, dizia a velha cigana num lamento. Não quero morrer com este pecado.

Deus sabe o que custou reunir os papéis necessários para fazer o casamento. Nômades como eram, cada um dos netos tinha nascido num povoado diferente e era preciso demonstrar que em nenhuma daquelas ocasiões os pais estavam casados. Finalmente, puderam celebrar a cerimônia e pouco depois a velha cigana morria, tranqüilizada já a sua consciência tão intuitiva e profundamente religiosa.


Fonte: "Aprender a Envelhecer", Clara Janés - Luz María de la Fuente, Editora Quadrante, São Paulo, 1994, pp.14-17.

 

 

 

 

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