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Coluna "Por dentro da dança"
Entendendo a Dança 1

Eliana Caminada


A série de artigos sobre Dança que tenho escrito para o Portal da Família vem revelando a necessidade, já manifesta por alguns leitores, de falar sobre sua história.


De fato, ao mencionar personagens paradigmáticos descontextualizados no tempo histórico em que atuaram desestimulo, em parte, a curiosidade de quem lê sobre o assunto, além de desperdiçar um magnífico espaço disponível para discorrer sobre a beleza do desenvolvimento da dança através da história da humanidade.

Assim sendo, a par de artigos pertinentes a temas atuais, optei por elaborar uma pequena história da dança em capítulos. Serão contemplados apenas os valores ocidentais de civilização, considerando nossa própria história e colonização e lembrando sempre quão distantes nos encontramos da concepção oriental da vida, que não será abordada. Igualmente, é preciso que se tenha claro que a abordagem da história, que tem como referência base a análise antropológica de Curt Sachs, autor de "Historia Universal de la Danza", diz respeito a costumes de povos com diferentes culturas e diferentes graus de "civilização". Espero, dessa forma, contribuir para a divulgação e melhor compreensão dessa arte que me escolheu e à qual me dedico com um prazer inesgotável.

A primeira abordagem abrange conceituação de dança e aborda sua análise segundo o movimento.


"Se considerarmos a dança como uma predisposição herdada que se manifesta em diversas formas de movimento e em diferentes grupos humanos e a associarmos, com todo o seu potencial de energia, a outros fenômenos da civilização, sua história poderá se constituir num fator de enorme importância para o estudo da espécie."

Curt Sachs

A dança é uma forma de expressão complexa, praticamente indefinível fora do universo filosófico/artístico. Exemplificando: Definir dança como "uma atividade físico-rítmica desprovida da idéia de trabalho" pode parecer, à primeira vista, adequada. Mas o ato de remar também cabe nessa definição e não é arte; logo não é dança.

Grosso modo, pode-se afirmar que os povos que denotaram influência da dança que imitava os animais possuíram variedade de movimentos e dançaram com entusiasmo; os que ignoraram essa influência evidenciaram menos movimentos e pouca animação para dançar. Mas é incontestável que todos os povos dançam.

Associada ao mágico, ao êxtase, a dança começou a ser considerada, entre povos primitivos, como um recurso para comunicação entre vivos e mortos; tal ligação impôs-lhe regras disciplinares que lhe conferiu o aspecto de cerimônia formal. Formalizados, dançarinos e "coreógrafos-feiticeiros" começaram a se preocupar com a coordenação e com a estética
[1] dos movimentos, originalmente, naturais e instintivos do corpo, vendo-se, assim, diante das chamadas danças espetaculares, ou seja, do "espetáculo".

A dança pode ser analisada de muitas maneiras: movimento, temas e tipos, formas, estilos, música, ornamento, preferência dos sexos, número, atração por um ou outro lado ao girar ou ao executar um movimento, etc. Conhecer, ainda que superficialmente, essas abordagens, enriquece nossa capacidade de observar a dança e explica muitas de nossas lendas, festividades e danças tradicionais.

Segundo os movimentos:

Relacionando a dança aos movimentos ela pode se mostrar em harmonia ou em desarmonia com o corpo; de uma ou de outra maneira leva, tanto quem executa quanto quem assiste ao estado extático.

Nas danças em harmonia, as mais numerosas, objetiva-se superar as limitações naturais do corpo através do estímulo proporcionado pelo prazer e pelo êxtase. Executando movimentos que tendam para cima e para frente tenta-se romper o laço de gravidade. Bailarinos clássicos, entre outros, convivem permanentemente com a prazerosa sensação de superação da lei da gravidade, seja girando, saltando, realizando pas-de-deux, interpretando personagens, situações, ou simplesmente executando movimentos de dança.

As danças em harmonia com o corpo podem ser abertas (expandidas) ou fechadas (introvertidas).

Nas danças abertas, predominantemente masculinas, é que a reação motora se apresenta mais forte; cada músculo atinge sua tensão mais extrema, na tentativa obstinada de aliviar o corpo de seu peso. O homem foi, portanto, o primeiro grande dançarino da história, sendo a África o continente, por excelência, das danças abertas.

Dentre as danças abertas mais conhecidas citam-se:

  • Dança de salto. Representa o ápice da dança aberta. É executada com saltos que envolvem o lançamento das pernas a grandes alturas.
  • Dança de palmada. Representa a necessidade masculina de desgastar sua excessiva energia. Vivas e exuberantes são executadas usando-se palmadas no próprio corpo.
  • Danças de saltos de cócoras. São executadas com movimentos agachados enquanto as pernas são lançadas violenta e alternadamente para frente, retrocedendo imediatamente após cada lançamento. Nosso frevo é um bom exemplo dessas danças.
  • Dança de brincadeira. Muito difundida, nela se pula de uma perna para outra, levantando rápida e alternadamente a parte superior da perna de forma moderada. Crianças brincando de roda estão, geralmente, executando uma dança de brincadeira.
  • Dança nas pontas dos pés e Dança de uma perna só. Muito duais, na primeira, a tentativa de ascender-se não chega a fazer com que o corpo abandone totalmente o chão. Tornou-se a expressão máxima do ballet romântico e, no Brasil podemos encontrá-la em danças gaúchas e no frevo, entre outras. Na segunda, outra expressão da urgência de sair do solo, utiliza-se a redução da base de sustentação diminuindo, assim, o contato com a terra. Lembremo-nos da lenda do Saci-Pererê. Menos praticadas, a Dança nas pontas dos pés e a Dança de uma perna só se situam na limiar das danças fechadas, introvertidas, mais características do mundo feminino.

As danças fechadas usam um centro fixo de movimento para balançar o corpo todo ou parte dele, equilibrando-se enquanto este movimento é executado. Neste balanceio o ritmo flui resultando numa dança de flexibilidade controlada dos membros, calma e composta, que contrasta com a liberdade das danças abertas.

Vários são os movimentos de balanceio que reconhecemos até em aulas de ginástica:, tais como: flexionar a cabeça para frente e para trás, para um lado e outro, girar a cabeça, o corpo e a pélvis, inclinar o tronco para frente e para trás, balançar a pélvis para frente e para trás, um lado e outro, flexionar e estender os braços e alongar e flexionar mãos, dedos, pés e joelhos.

A única dança fechada que merece registro especial é a dança do ventre. Provavelmente originária dos egípcios, considerando o vocábulo "messeri ou mássari", adotados do árabe "masri" que significa, justamente, egípcio, é praticada em vários continentes. Infelizmente, da sua finalidade de ritual para promover a vida e o crescimento degenerou, por séculos, em dança erótica, mero passatempo de banquetes de castas sociais consideradas "superiores".

Nas danças em desarmonia, de movimentos convulsivos, o êxtase se dá pela mortificação do corpo, pela reação que, apesar de masoquista, consegue fazer com que o executante fique "fora de si".

As chamadas danças de assento, de giro e de torção podem ser consideradas variantes das danças fechadas, já no limite tênue que separa a concepção harmônica daquela onde o movimento se mostra em desarmonia com o corpo.

Nas danças de assento, executadas sentadas, o centro do balanceio que propicia o êxtase permanece só no tronco; a parte inferior do corpo se mantém inativa. Mãos e braços, som de aplausos e do golpear de pequenos instrumentos de madeira representam um papel preponderante.

Nas danças de giro o dançarino, ao terminá-las, normalmente perde a noção de seu próprio corpo e do seu "eu" e, assim libertado, conquista o "deus", numa manifestação evidente do xamanismo[2] e da sua cultura da magia. Evoluindo no tempo e desenvolvendo uma técnica para executar giros, qualquer bailarino clássico conhece a sensação de liberdade proporcionada pela realização de um giro em alta velocidade ao qual o ballet denominou "chainé - encadeado" ou executando um grande número de piruetas. Entretanto, executado espontaneamente, o giro pode colocar quem o realiza tonto e enjoado, denotando então seu caráter de dança em desarmonia com o corpo.

As danças de torção também manifestam a transição entre danças em harmonia e em desarmonia. Os limites em que o ato de procurar e executar a distorção, enfatizando-a, deixa de ser harmônico e passa a ser contrário à natureza é muito sutil.

Sachs afirma, e vale registrar que o contraste entre a dança aberta e a fechada, mais do que um contraste de sexos, representou um contraste de povos. Quanto mais agrícola e matriarcal se apresentava uma cultura, mais fechada era a dança que praticava e vice-versa. Em outras palavras: povos com sociedade e economia predominantemente masculina enfatizaram, ordinariamente, os movimentos saltados.

As danças em desarmonia com o corpo, bem restritas, podem ser convulsivas puras, atenuadas, malaias ou mórbidas.

Nas danças convulsivas puras os membros não se subordinam à vontade dos dançarinos e os corpos, banhados de suor, tornam-se convulsionados e todo o sistema muscular entra em jogo. Colocados em círculo, os executantes marcam o compasso com os calcanhares enquanto mantêm os olhos voltados para cima. Podem ser executadas com acompanhamento de canto juntamente com tambor e integradas por palavras supostamente mágicas.

As danças convulsivas atenuadas diferem das puras porque o movimento corporal se subordina à vontade dos dançarinos na medida em que consciência é mantida.

As danças malaias, apesar de menos selvagens, possuem as mesmas características das convulsivas. Compostas de convulsões espasmódicas em posição flexionada desconfortável, buscam chegar a um estado de paroxismo procurando não tensionar os músculos. Não se pode conceituar, entretanto, esse tipo de perda da consciência como uma atividade, mas como um padecimento.

Sobre as chamadas danças mórbidas, a única informação que consegui revela que apesar de muito difundidas ficaram limitadas a certos povos da Europa e da Ásia.

Pode-se concluir que a dança convulsiva caracterizou as culturas xamânicas, onde o fundamento da religião era (e é) a existência de espíritos sobrenaturais que se manifestavam através do médico-feiticeiro. Para esses povos, por uma tendência peculiar ou em função de influências culturais, a experiência religiosa e seus cultos se basearam e foram ditados pela hipnose.

Mas, todo povo, por primitivo que seja, é na verdade, o resultado de uma fusão incalculável de influências que, se por um lado foram sendo levadas a todo canto do mundo, por outro só as assimilaram os povos predispostos a recebe-las. Por isso mesmo torna-se difícil definir fronteiras claras entre as danças em harmonia ou em desarmonia com o corpo e ambas podem ser encontradas até nossos dias em todas as suas manifestações.



Eliana Caminada é Orientadora e consultora, escreveu vários livros sobre dança, e responde pelas disciplinas História da Dança e Técnica de Ballet Clássico no Centro Universitário da Cidade. Professora convidada no projeto "Sons Dançados do Brasil" do Centro de Artes Calouste Gulbenkian, colabora com o jornal "Dança, Arte & Ação" e participa, como palestrante, jurada ou pedagoga, de festivais e mostras de dança por todo o Brasil. Foi bailarina do "Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro", primeira-bailarina do "Balé Guairá" e solista do "Ballet da Ópera Estatal de Munique".
Ela também edita o site www.elianacaminada.net

e-mail: e.caminada@gmail.com

 

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[1] A palavra estética deriva do grego aisthêzis, que significa sensação. Pode-se definir estética como "uma sensação de beleza que domina tanto o homem que assiste quanto o que executa ou cria a arte". No caso da Dança, este exercício do sensível é submetido aos dois princípios, o agógico e o dinâmico, já mencionados em artigo anterior.

[2] Mágico, ligado ao sobrenatural.

 

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