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Entendendo
a Dança 1
Eliana Caminada |
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A dança é uma forma de expressão
complexa, praticamente indefinível fora do universo filosófico/artístico.
Exemplificando: Definir dança como "uma atividade físico-rítmica
desprovida da idéia de trabalho" pode parecer, à primeira
vista, adequada. Mas o ato de remar também cabe nessa definição
e não é arte; logo não é dança.
As danças fechadas usam um centro fixo
de movimento para balançar o corpo todo ou parte dele, equilibrando-se
enquanto este movimento é executado. Neste balanceio o ritmo flui
resultando numa dança de flexibilidade controlada dos membros,
calma e composta, que contrasta com a liberdade das danças abertas. Vários são os movimentos de balanceio
que reconhecemos até em aulas de ginástica:, tais como:
flexionar a cabeça para frente e para trás, para um lado
e outro, girar a cabeça, o corpo e a pélvis, inclinar o
tronco para frente e para trás, balançar a pélvis
para frente e para trás, um lado e outro, flexionar e estender
os braços e alongar e flexionar mãos, dedos, pés
e joelhos. A única dança fechada que merece
registro especial é a dança do ventre. Provavelmente originária
dos egípcios, considerando o vocábulo "messeri
ou mássari", adotados do árabe "masri"
que significa, justamente, egípcio, é praticada em vários
continentes. Infelizmente, da sua finalidade de ritual para promover a
vida e o crescimento degenerou, por séculos, em dança erótica,
mero passatempo de banquetes de castas sociais consideradas "superiores".
Nas danças em desarmonia, de movimentos
convulsivos, o êxtase se dá pela mortificação
do corpo, pela reação que, apesar de masoquista, consegue
fazer com que o executante fique "fora de si". As chamadas danças de assento, de giro
e de torção podem ser consideradas variantes das danças
fechadas, já no limite tênue que separa a concepção
harmônica daquela onde o movimento se mostra em desarmonia com o
corpo. Nas danças de assento, executadas sentadas,
o centro do balanceio que propicia o êxtase permanece só
no tronco; a parte inferior do corpo se mantém inativa. Mãos
e braços, som de aplausos e do golpear de pequenos instrumentos
de madeira representam um papel preponderante. Nas danças de giro o dançarino,
ao terminá-las, normalmente perde a noção de seu
próprio corpo e do seu "eu" e, assim libertado, conquista
o "deus", numa manifestação evidente do xamanismo[2]
e da sua cultura da magia. Evoluindo no tempo e desenvolvendo uma técnica
para executar giros, qualquer bailarino clássico conhece a sensação
de liberdade proporcionada pela realização de um giro em
alta velocidade ao qual o ballet denominou "chainé
- encadeado" ou executando um grande número de piruetas. Entretanto,
executado espontaneamente, o giro pode colocar quem o realiza tonto e
enjoado, denotando então seu caráter de dança em
desarmonia com o corpo. As danças de torção também
manifestam a transição entre danças em harmonia e
em desarmonia. Os limites em que o ato de procurar e executar a distorção,
enfatizando-a, deixa de ser harmônico e passa a ser contrário
à natureza é muito sutil. Sachs afirma, e vale registrar que o contraste
entre a dança aberta e a fechada, mais do que um contraste de sexos,
representou um contraste de povos. Quanto mais agrícola e matriarcal
se apresentava uma cultura, mais fechada era a dança que praticava
e vice-versa. Em outras palavras: povos com sociedade e economia predominantemente
masculina enfatizaram, ordinariamente, os movimentos saltados. As danças em desarmonia com o corpo,
bem restritas, podem ser convulsivas puras, atenuadas, malaias ou mórbidas. Nas danças convulsivas puras os membros
não se subordinam à vontade dos dançarinos e os corpos,
banhados de suor, tornam-se convulsionados e todo o sistema muscular entra
em jogo. Colocados em círculo, os executantes marcam o compasso
com os calcanhares enquanto mantêm os olhos voltados para cima.
Podem ser executadas com acompanhamento de canto juntamente com tambor
e integradas por palavras supostamente mágicas. As danças convulsivas atenuadas diferem
das puras porque o movimento corporal se subordina à vontade dos
dançarinos na medida em que consciência é mantida.
As danças malaias, apesar de menos selvagens,
possuem as mesmas características das convulsivas. Compostas de
convulsões espasmódicas em posição flexionada
desconfortável, buscam chegar a um estado de paroxismo procurando
não tensionar os músculos. Não se pode conceituar,
entretanto, esse tipo de perda da consciência como uma atividade,
mas como um padecimento. Sobre as chamadas danças mórbidas,
a única informação que consegui revela que apesar
de muito difundidas ficaram limitadas a certos povos da Europa e da Ásia. Pode-se concluir que a dança convulsiva
caracterizou as culturas xamânicas, onde o fundamento da religião
era (e é) a existência de espíritos sobrenaturais
que se manifestavam através do médico-feiticeiro. Para esses
povos, por uma tendência peculiar ou em função de
influências culturais, a experiência religiosa e seus cultos
se basearam e foram ditados pela hipnose. Mas, todo povo, por primitivo que seja, é
na verdade, o resultado de uma fusão incalculável de influências
que, se por um lado foram sendo levadas a todo canto do mundo, por outro
só as assimilaram os povos predispostos a recebe-las. Por isso
mesmo torna-se difícil definir fronteiras claras entre as danças
em harmonia ou em desarmonia com o corpo e ambas podem ser encontradas
até nossos dias em todas as suas manifestações.
Eliana Caminada
é Orientadora e consultora, escreveu
vários livros sobre dança, e responde pelas disciplinas
História da Dança e Técnica de Ballet Clássico
no Centro Universitário da Cidade. Professora convidada no projeto
"Sons Dançados do Brasil" do Centro de Artes Calouste
Gulbenkian, colabora com o jornal "Dança, Arte & Ação"
e participa, como palestrante, jurada ou pedagoga, de festivais e mostras
de dança por todo o Brasil. Foi bailarina do "Corpo de Baile
do Theatro Municipal do Rio de Janeiro", primeira-bailarina do "Balé
Guairá" e solista do "Ballet da Ópera Estatal
de Munique". e-mail: e.caminada@gmail.com |
[1] A palavra estética deriva do grego aisthêzis, que significa sensação. Pode-se definir estética como "uma sensação de beleza que domina tanto o homem que assiste quanto o que executa ou cria a arte". No caso da Dança, este exercício do sensível é submetido aos dois princípios, o agógico e o dinâmico, já mencionados em artigo anterior. [2] Mágico, ligado ao sobrenatural.
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